Apesar de o regime de metas ser instrumento adotado para conter a inflação, penaliza a população mais pobre e o desenvolvimento industrial
A fala crítica de Lula à decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa básica de juros no patamar elevado de 13,75% ao ano segue repercutindo no mercado e na imprensa. O presidente da República chamou de “vergonha” o percentual que coloca a Selic no seu maior nível, desde janeiro de 2017. Com a taxa básica de juros nesse patamar, o juro real no Brasil alcança 7,38%, o que mantém o Brasil com o maior nível do mundo, na frente de México (taxa de 5,53%), Chile (4,71%) e Colômbia (3,04%), respectivamente, segundo, terceiro e quarto colocados em ranking que leva em conta juros de 40 países. Apesar de o regime de metas da inflação ser um instrumento adotado há décadas pelo Brasil para ajudar a conter a inflação e a alta do dólar, os juros em níveis altos tornam o investimento produtivo menos viável no país e desestimula o consumo, por forçar o aumento das taxas em todo o sistema bancário. “Isso acontece porque a Selic é um dos componentes que influenciam no custo de crédito no país e, consequentemente, no comportamento dos consumidores e das empresas. Então, no caso de alta da Selic, os efeitos são de retração do consumo e, com isso, espera-se uma queda da inflação, mas nem toda inflação se deve ao consumo elevado. Pelo contrário, a recente inflação brasileira estava relacionada à política de preços dos combustíveis e questões externas como a Guerra da Ucrânia e questões climáticas. A alta da Selic, nesse caso, não é capaz de conter a inflação, mas segue tendo efeitos perversos na economia, no crédito, na renda e no emprego”, explica o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Diesse), Gustavo Carvazan. Portanto, os juros em alta funcionam como âncora à economia em geral. Enquanto os juros em queda estimulam o aquecimento da economia, porque o crédito fica mais barato, tanto para empresas quanto para os consumidores, o que favorece as vendas das empresas, gerando mais empregos e arrecadação para o Estado.
Interesse de poucos
Você deve estar se perguntando, então, qual é a razão de boa parte do mercado e da grande imprensa reagirem negativamente à fala do presidente Lula. A resposta é porque a alta da Selic favorece todas as modalidades de investimentos classificadas como renda fixa, como os títulos públicos. Vale lembrar que os maiores detentores da dívida pública são justamente as instituições financeiras atuantes no país. “Em outras palavras, a trajetória de juros altos favorece os ganhos especulativos e financeiros de banqueiros e dos mais ricos, enquanto penaliza a população e o desenvolvimento industrial no país”, destaca o secretário de Assuntos Socioeconômicos da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Walcir Previtale. “E isso explica por que o Brasil, apesar de ser um país rico em recursos humanos e naturais, continua tendo a agricultura e pecuária como carros-chefes da economia. Acontece que nenhum país, historicamente, se tornou desenvolvido sem uma indústria de alto valor agregado como principal fonte econômica”, completa. Um exemplo prático desse cenário é que, apesar de ter uma das maiores reservas de minério de ferro do mundo, até hoje o Brasil não foi capaz de desenvolver capacidade industrial suficiente para tornar-se o maior exportador de aço, produzido a partir do ferro, portanto de maior valor agregado. A maior compradora de minério de ferro no Brasil, hoje, é a China, que lidera o ranking dos maiores produtores de aço entre todos os países.
É política
O autor da Lei que concedeu mais autonomia ao Banco Central, senador Plínio Valério (PSDB-AM), reagiu às falas recentes do presidente da República e disse que “ataques” do governante demonstram que a inflação deve “ficar longe da política”. Mas, o que o parlamentar quis dizer com deixar a inflação longe da política, se, em todo o mundo, os rumos da economia definem os rumos da própria política? A presidenta da Contraf-CUT, Juvandia Moreira, lembra que a maioria das grandes economias não adota a política de juros altos. “Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa básica de juros costuma não superar 2% ao ano. No bloco europeu, o Banco Central da região também dificilmente aumenta a taxa básica para muito além desse patamar”, pontua. Ela destaca ainda que, ao longo do governo Bolsonaro, a elevação da Selic, além de ter colaborado para a recessão e desemprego, não foi capaz de conter a inflação. E, apesar de ter furado o teto de gastos em R$ 795 bilhões, o ex-presidente não chegou a ser tão atacado pela imprensa e o mercado, como, atualmente, tem sido Lula.
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